“O TEU DEUS NÃO É A TERRA…”
Hoje vamos meditar sobre um pequeno trecho do livro Confissões, de Santo Agostinho. Ele é de grande proveito espiritual, assim como toda a obra.
“‘O teu Deus não é a terra, nem o céu, nem qualquer outro ser corporal’. É isso que a natureza das coisas afirma, e todos podem ver, pois a matéria é menor na parte que no todo. Tu, alma, digo-te que és mais importante que o corpo, sem dúvida, pois és tu que lhe dás a vida, e nenhum corpo pode fazer o mesmo a outro corpo. Mas o teu Deus é também a vida da tua vida.”
X Livro, Confissões
Quão bom e interessante não são os textos do grande Doutor da Graça!
Em sua vida, quando ainda estava afastado de Deus, Santo Agostinho andava à procura de algo que pudesse saciar sua sede de felicidade. Sua procura, todo o seu percurso e o posterior encontro lhe moldaram toda a vida, inclusive o aporte conceitual.
A busca de Agostinho se deixa transparecer neste trecho… Que sede de Deus, compenetrada de amor! Ele escreve e investiga, com a ajuda de Deus, o que o mesmo Deus lhe inspirou. A distinção entre corpo e alma está muito clara diante de Agostinho, e essa dicotomia, corpo-alma, também condiciona a dicotomia de toda a realidade em sensível e inteligível, corporal e espiritual, mundano e celeste, mutável e eterno.
Depois de sua experiência no meio do mundo, quando estava afastado de Deus, ele percebeu que as coisas materiais não satisfaziam seu desejo de ser feliz. Quantos não andam hoje no caminho da procura da felicidade e do sentido de suas vidas! Há pessoas que buscam a Deus de boa vontade, de coração sincero, sem, porém, conhecer o valor nem a gravidade das ações que realizam em busca do sentido.
O texto que chegou até nós hoje, de Agostinho, o texto que atravessou os séculos e nos é disponível é esse: “o teu Deus não é a terra, nem o céu, nem qualquer outro ser corporal”. É preciso que nós nos descolemos da realidade que nos prende aos bens materiais! É preciso que nós subamos a via do desapego, a fim de nos apegarmos às realidades eternas! Ora, são essas realidades que permanecerão.
A alma dá vida ao corpo e, no entanto, Deus é a vida da nossa vida. Se a nossa vida está em Deus, devemos-Lhe todo o nosso ser. E como dever-Lhe, isto é, consagrar-Lhe o nosso ser? Isso se dá no nosso ato de entrega a Deus!
Em um mundo que apela constantemente ao hedonismo (o prazer como estilo de vida) exagerado, e em que se perde aos poucos o caráter sagrado do homem — e isso inclui o esvaziamento do significado sagrado do corpo —, é necessário que nós demos um testemunho de que outro modo de vida é possível. Pode-se viver santamente hoje.
“[…] A matéria é menor na parte que no todo”. Isso significa que, se a matéria é menor na parte, ela será menor no todo, porque a parte está contida no todo. A matéria é o componente da realidade material do mundo; logo, faz parte da realidade material, corporal; se é menor na parte, e se o “todo” é naturalmente maior que a parte, o todo transcende a matéria. Em suma, a busca que Agostinho empreendeu o fez perceber, não sem a graça divina, que o Deus que buscava é muito mais que as realidades materiais.
Mas muitas vezes, nos é difícil perceber que Deus é muito maior que essas realidades. Às vezes, nem damos ouvidos à verdade que “a natureza das coisas afirma”. Por isso, é preciso que nós demos ouvidos ao testemunho de todas as coisas criadas. Todas elas afirmam, como em uníssono: Deus é.
Santo Agostinho, rogai por nós!